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13/04/2007 A FRAUDE INOCENTE

No país do défice, da tanga e da crise, pedem-me que reporte algo sobre o estado da economia e das PME. Ora bem o que se me oferece constatar é que vivemos numa fraude nada inocente.

 

Contam-me pelos media que são as grandes empresas que criam riqueza, que pagam impostos, que inovam. Não discuto essas falácias, antes remeto os seus autores para o último livro do falecido e renomado economista J. K. Galbraith, a quem plagiei o título deste artigo. A sua concepção do futuro da nossa sociedade e do poder efectivo dos gestores das grandes corporações, devia servir ao menos de alerta, ainda que exagerada, para muitos dos perigos para a economia e o Governo que são as corporações sem controlo accionista, e da distinção entre a figura do empresário e empreendedor, do gestor que com poucas acções controla e gere a empresa.
 
Contam-me também pelos media que o deficiente público se está a conter, que baixar os impostos é um disparate, que analisar a Ota é um crime de lesa pátria. Bem podem cantar essa homília, que não é nova. A economia não cresce enquanto não se baixar o défice, e este não baixa enquanto não se reduzir a despesa corrente, e esta não cessa enquanto não se despediram pessoas. É duro, mas é a verdade que se aplicou noutros países e se aplica todos os dias no sector privado.
 
Constato ainda que a quem tem grande dimensão ou é público, tudo ou pelo menos quase é permitido. Não apenas no preconceito contra o empreendedor e depois contra o empresário. Não, refiro-me á interpretação abusiva e aplicação discriccionária de poderes públicos que afectam a geração de valor e inibem o investimento. E nem com as promessas de grande investimento estrangeiro vamos lá.
 
Aqui ao lado em Espanha, a economia continua a crescer. A economia globaliza-se, mas os centros de decisão ficam. O Santander comprou o Abbey National, a Sacyr comprou a terceira construtora francesa, mas a os centros de decisão e o grosso do investimento é nacional. Onde reside essa força, essa armada espanhola: nas grandes empresas apenas: ou na conjugação de grandes empresas concorrenciais mundialmente com um fortíssimo e musculado tecido de PME, que todos os dias crescem e se candidatam a liga das grandes empresas?
 
Mas como vivemos de falácias, de prometer apoios à inovação nas PME e depois vetá-los com pareces de Doutores de gabinete, de querer qualificação e estrangular os privados que actuam no ensino e na formação, e continua o Estado e grandes corporações a funcionar no circuito fechado das agendas e dos mediatismos, que levam á má despesa pública, continuamos mal e ficaremos pior.
 
Longe de Lisboa, no norte, nesse berço da nação e armazém da nossa capacidade produtiva, ainda responsável por quase metade das exportações, as fábricas fecham, o desemprego aumenta, a desertificação de cidades industriais é um cenário de Dickens. Mas como está longe, como não tem lideranças fortes, e como no fundo a política de exportação interessa tanto, que nem a lemos no QREN, nem temos a prometida AICEP, o norte vai continuar votado ao abandono, a região mais pobre de Portugal e das mais pobres da Europa.
E, numa região com três universidades de referência e com uma densa malha de PMEs, como é possível que o paradigma não seja invertido? Mais, como é plausível aceitar hoje, quase quarenta anos depois da morte do Salazar - que me diziam ter cultivado propositadamente a ignorância do povo e o ter condenado á emigração - voltarmos a ter fenómenos de emigração em massa, vendendo barato aquele que é o recurso mais importante dos países que se querem desenvolvidos: a sua população.
 
A verdade, é que trinta e três anos de democracia instalaram um ensino medíocre e uma orientação pública da qualificação com os resultados que se conhecem: 50% da mão-de-obra tem menos que o primeiro ciclo do ensino básico e setenta por cento não concluíram o secundário. Como ao ditador não podemos imputar as últimas três décadas, quem explica e assume o desperdício, a desorientação e a politização estatizante de que temos vindo a sofre na qualificação?
 
Se calhar explicamos que é por causa da falta de visão ou da qualificação dos empresários das nossas PME, a explicação oficiosa e mediática que se vende bem nas faculdades e os seus modelos da grande empresa.
 
Mas podemos e devemos encontrar outras explicações: quanto custa uma escola secundária? O que produz? Quanto custa um centro de formação? O que produz? Qual o custo hora de dirigentes e formadores do sistema público? Quais a remunerações acumuladas? Não vejam nisto inveja, vejam nisto provocação, o sistema público não pode ser ineficaz e custar muito mais do que o privado.
 
E podemos insistir: quanto receberam as multinacionais no terceiro quadro comunitário de apoio para supostamente qualificar os seus postos de trabalho? Que formação, com fundos europeus fizeram? Com que resultados? Com que auditorias?
 
Pois, é que quando se diz que as PME não apostam na qualificação e na inovação, essa mentira inocente peca por esquecer que elas não têm o cheque fundos europeus, descontável por qualquer multinacional, daquelas que exploram e ameaçam sair. Se isto for mentira, desafiem-se as autoridades a revelar quais os resultados dessa formação, que consumiu centenas de milhões de euros, e que é suposto duvidar que tenha sequer ocorrido, a julgar pelas baixíssimas qualificações e competências dos desertos que deixam quando fecham e “deslocalizam”, essa linda expressão de eutanásia nacional paga por todos nós.
Mas podemos e devemos ver alguns aspectos positivos. Por exemplo aquele que nas PME, demos com o Programa PME XXI com trezentas e trinta e duas micro e pequenas empresas. Nesse programa que decorreu entre 2004 e 2006 com enorme satisfação expressa (98%) das empresas e gestores, 80% das empresas aumentaram volume de negócios e investimento, e duas em cada três empresas criaram postos de trabalho líquidos.
 
O contraciclo positivo face à performance da economia. E no fórum PME XXI que com a feira nacional das PME ocorreu, com a participação de centenas de empresários, que de viva voz testemunharam o seu percurso com o apoio do programa, nem se notou, porque se tornou a habitual, a ausência de quem em Portugal devia de facto e no terreno zelar e verificar a efectiva boa qualificação conferidas ás centenas de participantes.
 
Ora se o investimento nestas centenas de pessoas e de empresas, teve essa rentabilidade, como se pode explicar que o apoio recebido seja inferior ao duma Yazaki Saltano, que com o dobro de fundos europeus lança para o desemprego pessoas quase sem qualificação formal e que receberam uma residual formação inicial? É essa a qualificação que queremos? É essa a gestão que em Portugal se quer fazer dos fundos europeus?
 
Olhe-se para as realidades, para os factos, para os resultados e para os impactos, não as estimativas nem os discursos oficiais e convenientes, e talvez aí consigamos um país mais harmónico, equilibrado, racional e quiçá a desenvolver-se.
 
Mas acabe-se de vez com a fraude inocente em que mantêm a nossa microeconomia e a nossa capacidade de trabalho. Porque do inocente ao doloso, também vai, não apenas uma opinião, mas factos públicos e que ainda não se deu a devida atenção. Será também esse desvio da opinião e omissão, de quem de direito, uma fraude inocente?
 
O QREN está aí e veremos se as PME, seus gestores e trabalhadores têm a ele direito, ou se depois de vermos passar alguns dos pobres de Leste, continuamos pobres e beneficiários de fundos…
 
Artigo Publicado na Revista 1500 Maiores PME (Diário Económico) de 13 de Abril de 2007