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10/08/2007 QUE É FEITO DA RESERVA DA NAÇÃO?

O “Semanário Económico” publicou recentemente uma interessante reportagem sobre o estado da região Norte, em que concluía pelo estado de crise profunda em que está mergulhada a região. Não porque tenha negócios ou residência no Norte, mas como português, vejo o Norte com grande preocupação.
 
A região Norte é a região mais populosa do país. É a região que mais produz com menos Estado. É aquela onde o peso das PME é maior. É a região que representa metade da nossa indústria. Representa também quase metade das nossas exportações. Portanto, poderia dizer-se com propriedade que é a reserva da nação, o celeiro da economia.
 
Nos anos 80 e 90, quando aderimos à CEE, donde veio o investimento? Do Norte. Onde se revelaram novos empreendedores? No Norte. Onde se geraram novos grupos económicos? No Norte. Onde se fortaleceu a oferta de conhecimento tecnológico, investigação e ensino em novas tecnologias? No Norte.
 
Então porque se chega ao cenário actual, bem descrito na reportagem citada, mas que para que tenha coragem e tempo, pode ser aprofundado no duro mas importante diagnóstico efectuado sobre o lema “Norte 2015” pela CCDR-Norte, como preparação para o QREN?
Chega-se por várias razões.
 
Não há líderes credíveis nem lideranças independentes – critique-se Jardim, mas veja-se a economia e a região Madeira e seus indicadores, com imparcialidade e sem politiquices ou o politicamente correcto.
 
Não houve aposta nos empresários e na cultura empresarial. Ou seja, as políticas públicas e os sistemas de incentivos potenciaram a “qualidade”, a “logística”, os interesses instalados, os grandes investimentos – entretanto deslocalizados – e esquecerem-se dos empresários que necessitavam de acompanhamento – isto não é paternalismo e explica-se noutros pontos.
 
Houve uma total deslocação dos centros de decisão financeiros para Lisboa, e o crédito faz-se de conhecimentos, proximidade e cumplicidades – quem disso tiver dúvidas e quiser vir teorizar sobre ratings veja o caso das Caixas regionais espanholas ou por cá o que se disse sobre as relações accionistas – mutuários no BPI e o que se diz agora sobre o BCP…e ainda não se disse quase nada.
 
Os poucos centros de decisão públicos, ou foram extintos (Delegação norte do INE), ou são eufemismos retóricos (IAPMEI, API, ICEP, AICEP, API Capital, PME Capital, agora INOVCapital), porque neste no Norte já ninguém está (Administrações, claro), decide, e é uma chatice ir ao Norte: resultado: abandono do tecido empresarial a si mesmo.
As políticas públicas ignoraram, leviana e propositadamente, que uma região que se baseia na exportação tem que ter apoios à exportação. O que se passou nos últimos anos no ICEP é uma vergonha nacional, e explica porque é mais fácil mudar para Espanha para exportar. Também no Pedip, POE, Prime e noutras capelas euro-bem-comportadas de Lisboa, se via o apoio à exportação e aos canais de distribuição, como violação de regras comunitários – quando Espanha, Itália e outros, o fazem sem se ralar. Se isto não fosse grave, mereceria uma gargalhada, mas o grave é que enquanto não temos políticas de exportação fecharam centenas de empresas exportadoras e foram milhares para o desemprego. Passamos de ter bons empresários têxteis a ter bons traders têxteis que colocam encomendas no norte de África e Leste…
 
Quanto ao desemprego, é uma verdadeira chaga para a região. Segundo o Ministério do Trabalho e os indicadores IEFP nada de grave se passa. Quando há 20 anos cursava economia em Económicas, aprendíamos desde cedo que um país que exporta activos que formou é um país pobre, típico do terceiro mundo, ou no eufemismo PVD, não um modelo da OCDE.
 
E o que julgam que se passa no norte? As centenas de milhares de pessoas que emigraram nos últimos anos? Basta abrir o Jornal de Notícias ao domingo, para ver que a oferta de emprego predominante é: recrutam-se trabalhadores para Holanda, Reino Unido, Espanha, etc. Não admira que se diga que não há desemprego! Mas é este o modelo de desenvolvimento? Um país que se diz desenvolvido exporta quadros, gestores e operários? Se calhar vamos reaprender as teorias económicas do desenvolvimento segundo a cartilha de quem manuseia as políticas de emprego.
 
A verdade, é por muitas boas intenções que possam existir nos dirigentes regionais, na CCDR-N ou no PONorte 2007-2013, as decisões não se vão tomar no Norte, não vão ter em conta as realidades concretas do Norte e as mutações rápidas no Norte. Não basta olhar para a Galiza, para Valência, para a Extremadura, se não temos os bancos regionais, o poder regional e a decisão sobre os fundos regionais, no concreto e no imediato.
 
E para quem pense que esta é uma crónica bairrista ou regionalista, esta é uma crónica patriótica: que país se pode dar ao luxo de abandonar metade da indústria á globalização, esquecer donde vão - ainda e apesar de tudo - 44% das exportações, um país sem respeito pela região mais populosa, é um país virtual. Se calhar é porque no Norte há pontes para cortar, nem assembleias para cercar. Não me entendam mal, mas as chagas sociais são muito graves, porque o incêndio na economia continua a lavrar e as empresas a fechar – sem que haja aquela almofada chamada Estado.
 
Ver as coisas a 300 kms, por estatísticas desfasadas e numa cobertura com vista para o Tejo é fácil. Mas não é isso que se espera de quem tem que ter coragem para decidir e quem tem a obrigação patriótica de conhecer e não ignorar a realidade.
 
Artigo publicado no Semanário Económico de 10 de Agosto de 2007